Opinião

Gestões d'hospícios - último

Por Paulo Rosa 

co-organizador de Psicanálise em Pelotas, 2021 

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Que o Brasil não é para amadores já advertia, candidamente, Tom Jobim. Gerir hospícios tampouco é coisa para principiantes. Basta com que observemos, em pormenor, tais instituições. Aliás, "descer das abstrações aos mínimos detalhes" é recomendação freudiana indispensável, para qualquer abordagem onde se tenha alguma pretensão de analisar, i.e., de chegar aos componentes, mesmo quando fora do estrito ambiente terapêutico.

Não só em hospício, em todo e qualquer lugar, quando necessitamos estudar o ambiente, conhecer a cultura, tomar decisões humanamente arrazoadas, precisamos dar ouvidos, perceber, sentir a todos os atores em questão - seja na família, no pequeno negócio ou nas grandes corporações.

A História mostra, os hospícios têm antecedentes sinistros. Em seu percurso pregresso estão desde os primitivos navios de loucos a andar de porto em porto, os antigos leprosários que, desativados, passaram a albergar insanos, os sanatórios que igualmente visavam afastar os loucos da sociedade e encontrar meios de "acalmá-los". Aí vão 500 anos de história cuja política foi a de isolar a quem enlouquecia, até que surgisse, há não mais de três décadas, processos deliberadamente mais humanizados e tratamentos baseados em evidências científicas.

Mas, a gestão da loucura corre sempre o risco de simplificações. Um deles, visível, obedece à medicalização da vida, simplificação espúria, incluindo-se aí os quadros mentais. A psiquiatria atual corre tal perigo. A armadilha na clínica se arma na transformação, na aceitação da doença mental como mero desequilíbrio neuroquímico - evidente que há alterações neste equilíbrio - mas, consequência simplificadora, nos querem vender a ideia de que basta tratamento apenas farmacológico. O psiquiatra contemporâneo, ao assimilar tal justificativa cartesiana e sedutora, pode até experimentar a "sensação de saber", pois conhece algo do que se passa na intimidade dos neurônios, mas toma essa parte como se fora o todo. Essa, uma simplificação sub-reptícia a que estamos, os psiquiatras, expostos. Há outras, p.e., a maioria dos tratados de psicopatologia são simples catálogos de sintomas e sinais, agrupados em quadros clínicos classificáveis, o que facilita, em aparência, os diagnósticos e a comunicação entre profissionais. O que se perde com tal abordagem é, contudo, valioso. Não há esquizofrênico igual a outro. O mesmo para quaisquer quadros. Portanto, a abordagem de cada um requer a individualização feita pelo profissional, de modo a ajustar o específico para aquela pessoa. Com a sobrecarga de trabalho de todos estes serviços, a simplificação química-medicamentosa torna-se avassaladora.

Não bastam os tratados médicos, sem dúvida úteis, mas insuficientes para os pormenores espirituais. Como não ler Joyce era louco?, 2017, de Donaldo Schüler, se pretendemos ser, etimologicamente, psique-iatros, médicos de almas?


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